PACIENTES COM FIBROMIALGIA TERÃO DIREITOS COMO PCD: ENTENDA O QUE MUDA E OS PONTOS DE TENSÃO

O reconhecimento da síndrome da fibromialgia como deficiência física em todo o território nacional, sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após aprovação no Congresso, tem provocado um debate que vai além da política de inclusão: trata-se, também, de uma discussão de critérios de diagnóstico.

Cerca de 3% da população brasileira tem fibromialgia – síndrome clínica caracterizada por dor musculoesquelética crônica e generalizada. De cada 10 pacientes com a doença, sete a nove são mulheres. No entanto, a condição também pode acometer homens, idosos, adolescentes e crianças.

A nova legislação garante às pessoas diagnosticadas com a síndrome o enquadramento como Pessoas com Deficiência (PCD), ampliando o acesso a políticas públicas, vagas de trabalho e benefícios sociais. Embora a medida represente uma vitória para milhares de brasileiros que convivem com dores crônicas e limitações funcionais severas, ela também levantou uma série de questionamentos nas redes sociais.

Sem biomarcadores definidos ou exames laboratoriais que comprovem a condição, o diagnóstico da fibromialgia segue sendo feito com base em sintomas relatados como dor crônica generalizada, fadiga e distúrbios do sono. É justamente essa subjetividade que tem alimentado discussões nas redes sociais e entre especialistas, que apontam o risco de “hiperdiagnósticos” e o impacto dessa possível judicialização sobre os cofres públicos.

Para o médico reumatologista José Eduardo Martinez, presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), o desafio diagnóstico passa por três frentes: “primeiro, a subjetividade dos sintomas; segundo, a concomitância com outras doenças, o que a gente chama de comorbidades, que podem agravar o quadro e precisam ser identificadas, pois o tratamento delas é fundamental; e, por fim, a ausência de marcadores, ou seja, exames que digam que o paciente tem ou não fibromialgia”.

Martinez ressalta ainda a importância de diferenciar a síndrome de outras condições clínicas semelhantes: “há uma necessidade, então, de fazer uma diferenciação da fibromialgia com outras síndromes”.

Sobre a nova legislação, o especialista avalia que ela introduz um ponto importante ao condicionar o reconhecimento da deficiência à análise de uma equipe multidisciplinar. “A lei coloca a fibromialgia com a possibilidade de ser considerada uma deficiência. Então, a lei estabelece isso e deixa claro que o paciente com fibromialgia que siga um determinado protocolo passa a ter os direitos que tem uma pessoa com deficiência, e aí é a lei da deficiência”, explica.

Ele observa que o texto legal determina que só será considerado deficiente o paciente que passar por uma “avaliação multiprofissional e interdisciplinar que considere aquele paciente individualmente como deficiente”. Para Martinez, esse é um dos grandes desafios impostos pela medida: “montar equipes com vários profissionais que atendam à necessidade dos fibromiálgicos do Brasil como um todo”.

Ao mesmo tempo, vê avanços. “O que muda com essa lei é também que ela coloca a necessidade de um tratamento múltiplo profissional. Ou seja, espera-se que, a partir da lei, se providenciem equipes multiprofissionais para dar o atendimento a esses pacientes”, afirma. Ele também destaca a importância das iniciativas que promovam a inclusão no mercado de trabalho: “fala-se também em adaptações no mercado para receber esses pacientes. Isso, para mim, me parece muito positivo”.

Apesar da ausência de testes laboratoriais, o médico afirma que há critérios internacionalmente reconhecidos para orientar o diagnóstico. “Existem critérios baseados em índices numéricos, publicados pelo Colégio Americano de Reumatologia, que orientam o médico como fazer o diagnóstico. Eles são aceitos no mundo inteiro e ajudam a evitar o que se está chamando de fingimento”, afirma.

Ele reconhece, no entanto, que o risco de falsos positivos existe. “Diferente de outras doenças, o médico vai ter que ter experiência e uma boa análise para reconhecer quem está doente e quem não está. Mas acredito que o risco é pequeno, porque conseguimos, no consultório, fazer esse reconhecimento.”

Apesar das críticas, a nova legislação apenas nacionaliza um movimento que já vinha sendo adotado por alguns estados, como Acre, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. A expectativa agora é que o Ministério da Saúde estabeleça protocolos mais rigorosos para evitar distorções e garantir que o reconhecimento da deficiência seja amparado por critérios técnicos sólidos.

Entenda a lei

A partir de janeiro de 2026, pessoas diagnosticadas com fibromialgia passarão a ser reconhecidas oficialmente como Pessoas com Deficiência (PCD) em todo o país. A mudança está prevista na Lei 15.176, de 2025, publicada no Diário Oficial da União no dia 24 de julho, após sanção presidencial sem vetos.

Com a nova norma, pacientes com fibromialgia terão direito, por exemplo, à reserva de vagas em concursos públicos e à isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de veículos adaptados.

Para que o reconhecimento seja validado, será necessário que uma equipe de saúde multiprofissional, composta por médicos e psicólogos, ateste a limitação funcional do paciente e sua incapacidade para participar de atividades em igualdade de condições com outras pessoas. O laudo individualizado será pré-requisito para o acesso aos direitos garantidos pela legislação.

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